Emissão de Quotas Preferenciais em Sociedades Limitadas: da controvérsia doutrinária à definição prática

Emissão de Quotas Preferenciais em Sociedades Limitadas: da controvérsia doutrinária à definição prática

É permitida a emissão de quotas preferenciais em sociedades limitadas? Confira artigo produzido por nosso sócio Pedro Henrique F. Raimundo e advogada Isabela Hohl, especialistas em Direito Societário e operações de M&A, acerca das controvérsias sobre o tema.

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Desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (“Código Civil”), há intensa discussão acerca da possibilidade do capital social de sociedades limitadas poder contemplar quotas preferencias, já que não existe previsão legal acerca do tema no próprio Código Civil.

Assim, devido ao silêncio do Código Civil, o entendimento da doutrina não era uniforme. Uma parte da doutrina entendeu que a prevalência do caráter de sociedade de pessoas, inerente às sociedades limitadas, não é compatível e não admite as quotas preferenciais, visto que as quotas preferenciais podem ter como característica a supressão ou limitação de direitos políticos (i.e., o direito ao voto do quotista). Ao mesmo tempo, outra parte da doutrina argumentava que, por o instituto das quotas preferenciais não ser expressamente vedado, a autonomia privada e a liberdade contratual deveriam ser aplicadas e, portanto, as quotas preferenciais seriam compatíveis com as sociedades limitadas. Apesar de haver argumentos em ambos sentidos, existia uma ineficácia prática ao referido instituto, pois o Departamento de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) e consequentemente as Juntas Comerciais não permitiam a criação de quotas preferenciais em sociedades limitadas.

Em 2017, no entanto, o DREI alterou seu posicionamento e publicou a Instrução Normativa nº 38/2017, que dispôs que seria aplicável supletivamente a Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S.A.”) para as sociedades limitadas, no que diz respeito às quotas preferenciais. Todavia, à época, ainda existia uma forte divergência doutrinária quanto à validade e a licitude das quotas preferenciais em sociedades limitadas, bem como se seria possível o fracionamento do capital social em tais quotas. Tendo em vista a divergência nos entendimentos, havia uma grande insegurança jurídica a respeito do tema de forma que inviabilizava, do ponto de vista prático, que as sociedades limitadas adotassem as quotas preferenciais.

Diante da necessidade de se pacificar o entendimento sobre o assunto, em 15 de junho de 2020, foi publicada a Instrução Normativa DREI nº 81/2020 que trouxe diversas inovações, dentre elas a clara disposição acerca da admissibilidade de quotas preferencias em sociedades limitadas.

O item 5.3.1, do Manual de Registro de Sociedades Limitadas, dispõe, especificamente, que quotas de diferentes classes são aceitas nessas sociedades e que o Contrato Social deverá prever as disposições nesse âmbito. Além disso, o item também dispõe que aos titulares das quotas podem ser atribuídos direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser limitado ou suprimido o direito a voto, desde que observados os limites impostos pela Lei das S.A., a qual deverá ser aplicada supletivamente, independentemente de previsão no Contrato Social nesse sentido.

Dessa forma, é importante destacar que, atualmente, do ponto de vista prático, no âmbito do registro de sociedades nas Juntas Comerciais brasileiras, o capital social das sociedades limitadas admite as quotas preferenciais, o que é considerado como um grande avanço para empreendedores no geral, de modo a permitir uma maior liberdade e flexibilidade na definição da estrutura societária e novas modalidades de investimento e financiamento das sociedades limitadas, tendo em vista que as quotas preferencias passarão a exercer uma função relevante na captação de recursos pelas sociedades limitadas, no sentido de atrair investidores que não tem o objetivo de participação direta nas atividades da sociedade e na deliberações do dia-a-dia da empresa.

Por fim, não obstante as controvérsias sobre o tema, de modo a encerar o debate doutrinário, pode-se dizer que, desde meados de junho de 2020, há entendimento pacificado no Direito Brasileiro, do ponto de vista formal, acerca da admissibilidade de quotas preferenciais em sociedades limitadas, sem prejuízo da necessidade de edição de novos dispositivos legais ou infralegais capazes de regular de forma mais profunda as particularidades deste instituto às sociedades limitadas, de modo a sanar dúvidas e eventuais entraves práticos à adequação completa das quotas preferenciais às sociedades limitadas.

 

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