Em 14 julho de 2022, foi publicada a Emenda Constitucional (EC) nº 125, fruto da PEC 39/2021, denominada “PEC da Relevância”, com o objetivo de otimizar a atuação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e retomar o seu foco para a função constitucional. A EC nº 125/2022 trouxe relevantes modificações na disciplina relativa ao exame de admissibilidade dos recursos especiais que são direcionados àquele órgão.
O Recurso Especial – previsto no inciso III do artigo 105, da Constituição Federal (CF/88) – é cabível em face de decisões proferidas em sede de única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais Estaduais, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão:
a) contrariar tratado ou lei federal;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; e
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Embora restrito às hipóteses taxativas relacionadas pelo legislador constituinte, o Recurso Especial tem sido utilizado, cada vez mais, como mero sucedâneo recursal para viabilizar o acesso às instâncias superiores. Sinal disso é o fato de que, ao longo de seus 34 anos de existência, o STJ já se deparou com mais de dois milhões de recursos especiais[1].
Nesse cenário, a EC nº 125/2022 é uma resposta ao excessivo número de recursos especiais interpostos, para evitar que o STJ exerça meramente a função de “terceira instância recursal” em casos que não detêm qualquer repercussão para além dos interesses subjetivos das partes envolvidas.
Dentre as modificações trazidas pela EC nº 125/2022 está a inclusão dos parágrafos 2º e 3º no artigo 105 da CF/88, que assim dispõem:
“§ 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.
§ 3º Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:
I – ações penais;
II – ações de improbidade administrativa;
III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários-mínimos;
IV – ações que possam gerar inelegibilidade;
V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça;
VI – outras hipóteses previstas em lei.”
A principal alteração trazida é, sem dúvida, a inclusão de um novo requisito para admissibilidade do Recurso Especial: a demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso.
Há, ainda, hipóteses em que a relevância é presumida, relacionadas no parágrafo 3º do art. 105. São elas:
I – ações penais;
II – ações de improbidade administrativa;
III – ações cujo valor da causa ultrapasse quinhentos salários-mínimos;
IV – ações que possam gerar inelegibilidade;
V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ; e
VI – outras hipóteses previstas em lei. Nessas, pois, não é preciso demonstrá-la.
Algumas lacunas, de toda sorte, podem ser desde já observadas. A primeira delas diz respeito à necessidade de lei regulamentadora do instituto. A segunda, ao próprio conceito de “relevância”. A terceira, à expressão contida no inciso VI, do parágrafo 3º, do art. 105, que deixa a cargo do legislador ordinário definir outras hipóteses em que a relevância será presumida.
E, justamente em razão da pendência de lei regulamentadora, o STJ, em outubro de 2022, aprovou o Enunciado Administrativo nº 8, que assim dispõe: “A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal”.
Com isso, embora a EC nº 125 tenha entrado em vigor na data de sua publicação, fato é que o STJ postergou a exigência da demonstração da relevância da questão federal suscitada para o momento a partir do qual a respectiva lei regulamentadora entrar em vigor.
Ainda, o STJ entregou ao Senado Federal proposta de anteprojeto da lei regulamentadora, que, após algumas modificações em seu texto, foi recentemente submetido ao crivo do Congresso Nacional pelo Senador Marcos do Val (PODEMOS/ES), e autuado sob o nº 3.804/2023[2].
O Projeto de Lei (PL) nº 3.804/2023 estabelece os contornos necessários ao pleno funcionamento dessa nova sistemática, e traça um paralelo com a promulgação da EC nº 45/2004, que instituiu o filtro da repercussão geral para fins de admissibilidade do Recurso Extraordinário no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
O PL nº 3.804/2023 propõe alterar a redação do artigo 1.030 e inclui o artigo 1.035-A, ambos do Código de Processo Civil (CPC/2015).
No artigo 1.030, o PL nº 3.804/2023 inclui nova hipótese de negativa de seguimento do Recurso Especial, apreciada pelo Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal em que interposto o recurso, quando não restar demonstrada a relevância das questões de direito federal infraconstitucional, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 1.035-A.
E, no novel art. 1.035-A, destaca-se a previsão de que o STJ, em decisão irrecorrível pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para julgamento, não conhecerá do recurso especial quando não for demonstrada a relevância da questão de direito federal infraconstitucional discutida no caso.
Apesar de não trazer detalhadamente o conceito de “relevância”, o § 2º, do art. 1.035-A, presume a relevância, dispensando a sua demonstração, nos seguintes casos:
i) ações penais;
iii) ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários-mínimos;
vii) recursos provenientes de:
vii.1) incidente de resolução de demandas repetitivas;
vii.2) assunção de competência;
viii) causas envolvendo interesses de incapaz;
Por fim, a par do Enunciado Administrativo nº 8 do STJ, os recorrentes já têm apresentado tópico para demonstração da relevância em seu Recurso Especial, com receio de inadmissão de seus recursos.
Por Mariana Fineberg, Carolina Rocha e Pedro Martins
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