O necessário diálogo entre as instituições e a exata definição das competências visando a segurança jurídica
A recente decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região gerou reação entre os operadores da área de direito concorrencial, na medida em que determinou que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) tem o dever de considerar questões trabalhistas, e consultar sindicatos, quando da análise de atos de concentração de empresas, tendo em vista o possível impacto gerado pelas fusões e aquisições no mercado de trabalho, o que ampliaria a competência do CADE, cuja principal função é a de zelar pela livre concorrência no mercado.
A reação imediata do Órgão foi a repulsa ao entendimento adotado na decisão, já que a competência do Conselho se limitaria à análise da proteção da livre concorrência e preservação dos mercados, e que questões como proteção do emprego ou análise de impactos sociais dos atos apresentados à sua análise não estão, e nem devem estar, no escopo de sua atuação. Advogados da área também se manifestaram no sentido de que a decisão traz insegurança jurídica, já que busca criar regras não previstas na legislação.
Com relação à questão, chama-se à reflexão dois pontos de extrema relevância:
(i) não seria, de fato, necessária a análise dos impactos de suas decisões pelo CADE?
(ii) seria, de fato, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica incompetente para a análise de questões relacionadas ao mercado de trabalho?
Há de se considerar que as decisões proferidas pelo CADE, não só em atos de concentração, como também em processos administrativos, podem impactar diretamente o mercado de trabalho e consumo. Como exemplo, pode-se citar uma decisão proferida em um caso em que há a análise da prática de cartel, na qual aplica-se a pena de proibição de uma empresa contratar com o setor público por 5 anos. Uma decisão como esta poderia inviabilizar as atividades de uma empresa, retirando-a do mercado, o que implica na diminuição de concorrentes, e impacta diretamente os consumidores. Estes, podendo ser considerados tanto como aqueles que continuam tendo a capacidade de consumir, como, também, aqueles que perdem ou têm a sua capacidade reduzida, na medida em que perderam seus empregos com o encerramento das atividades da referida empresa.
No entanto, embora as suas decisões possam gerar efeitos nem sempre benéficos ao bem-estar social, há temas que fogem de sua competência, tendo em vista a falta de previsão legal, o que é o caso do mercado de trabalho e os impactos a ele relacionados.
Há de se ressaltar que o artigo 114, da Constituição Federal, e a jurisprudência é pacífica neste sentido, é claro no sentido de ser da competência da Justiça do Trabalho a análise e o julgamento de todo e qualquer conflito decorrente das relações de trabalho, ainda que a alegada relação de trabalho não seja entre as partes da ação.
Neste sentido, os efeitos de uma fusão e aquisição, como as demissões em massa, por exemplo, seriam conflitos decorrentes das relações de trabalho e, portanto, de competência exclusiva da Justiça do Trabalho estando, portanto, ao nosso ver equivocada a decisão proferida pelo TRT, na medida em que não pode criar obrigações adicionais ao CADE, ou seja, que não estejam previstas em lei.
Dentro deste contexto, necessário se faz o diálogo entre as instituições, de modo a se esclarecer e definir os exatos limites de suas competências visando a segurança jurídica, evitando-se, assim, a formação de uma jurisprudência ambígua, contraditória, que impacta diretamente na segurança jurídica esperada na atuação tanto do Conselho, quanto da Justiça do Trabalho.
Assim se manifestou a Procuradora Geral do CADE, em declaração para a MLex, no sentido de que a decisão é uma boa oportunidade para o Conselho se aproximar da Justiça do Trabalho:
“Quando temos um tema polêmico e um tribunal não especializado que coloca o ônus no regulador, é uma oportunidade de aproximar, mostrar nossas atividades, chegar mais perto” (tradução livre)
A decisão proferida pelo TRT ainda é passível de recurso. Resta, então, aguardar referida definição pelas esferas administrativa e judiciária, e os deslindes da questão destacada acima.
Por Dayane Garcia e Pedro Zanotta