A extinção de uma sociedade representa o fim de sua personalidade jurídica. É ato complexo, trifásico, sendo impulsionado pela dissolução dessa sociedade, seguida da respectiva liquidação (resolução das obrigações vinculadas à sociedade). Por último, opera-se a repartição do acervo remanescente aos sócios. Dissolver uma sociedade não implica necessariamente a sua extinção, eis que a dissolução pode ocorrer de forma parcial, viabilizando-se, com isso, a continuidade empresarial.
A dissolução total, fundamentada pelos artigos 206 da Lei 6.404 e pelos artigos 1.033, 1.034 e 1.035 do Código Civil, ocorre quando todos os vínculos da sociedade são rompidos, encerrando-a. Algumas situações que exemplificam esta modalidade são:
1 – Vencimento do prazo de duração da sociedade;
2 – consenso unânime dos sócios; determinação legal;
3 – previsões contratuais e falência.
Já a dissolução parcial, fundamentada pelos artigos 1.028, 1.029 e 1.030 do Código Civil, ocorre quando vínculos específicos da sociedade são encerrados e se mantém a atividade empresarial pelos demais sócios, para preservar a empresa. Alguns exemplos gerais de dissolução parcial são:
1 – morte ou invalidez de sócio;
2 – retirada de sócios; e
3 – exclusão de sócio.
A possibilidade de dissolver somente parcialmente a sociedade permite que os sócios remanescentes preservem grande parte da sociedade e consigam seguir com a consecução de seu objeto social.
A apuração dos haveres devidos ao sócio dissidente, quando não é definido no contrato social, é temática controvertida nos Tribunais, sobretudo em função das diferentes metodologias de avaliação de uma empresa.
Sobre o tema, dispõe o artigo 1.031 do Código Civil, que “nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado”.
Por anos, não era raro que o levantamento desses haveres se baseasse em critério econômico, englobando não só os ativos sociais no momento da perda da affectio societatis, mas também os rendimentos subsequentes – o fluxo de caixa descontado.
Em maio de 2021, durante o julgamento do Recurso Especial nº 1.877.331/SP, a 3ª Turma do STJ inaugurou o entendimento de que inadequado o fluxo de caixa descontado por “comportar relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos”. Como substituto, voltou-se a Corte ao balanço especialmente levantado para apurar, na data da saída do sócio dissidente, a efetiva realidade econômico-financeira da sociedade ao tempo da dissolução parcial, desconsiderando-se quaisquer projeções futuras de resultado com base em performances passadas, como pressupõe o fluxo de caixa descontado.
No julgamento do recurso especial, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino expressou a incompatibilidade de a sociedade desembolsar uma quantia que nem sequer integra seu patrimônio: “a sociedade deverá desembolsar, em até noventa dias, quantia disponível atualmente em seu caixa para pagamento de haveres calculados com base em prováveis rendimentos futuros e sem que o sócio retirante suporte os riscos futuros? […] dentre as interpretações possíveis para os enunciados normativos constantes dos artigos 1.031 do Código Civil e 606 do Código de Processo civil, deve prevalecer aquela que melhor atenda aos interesses da sociedade, excluindo-se do cálculo dos haveres a perspectiva de lucros futuros.”
Referido entendimento não era inédito à posição doutrinária:
“Consciente dessa realidade de que o balanço não corresponde à verdadeira situação econômica e financeira da sociedade, evoluiu ainda mais a construção pretoriana, para consagrar a figura do balanço especial de determinação, que deve refletir um levantamento contemporâneo à despedida do sócio, a fim de que a apuração dos haveres se faça pelos valores reais do patrimônio da sociedade (aí incluídos os bens corpóreos e incorpóreos) e não pelos valores contabilizados, sem qualquer sanção ao sócio retirante, excluído, ou a seus sucessores que não venham a sucedê-lo na sociedade em caso de seu falecimento.” (CAMPINHO, Sergio. Curso de direito comercial: direito de empresa. Editora Saraiva, 2023);
“Quando da retirada voluntária ou forçada de dado sócio, será imperioso apurar qual o preciso valor de sua quota, restituindo-o ao patrimônio de onde provieram os valores destinados à integralização do capital. O próprio contrato social pode conter uma disposição particular e concreta com respeito a tal procedimento e, nesse caso, sua prevalência é inquestionável. Mas, ausente a previsão contratual, o legislador impôs seja elaborado um balanço especial, retratando a situação da pessoa jurídica na chamada “data da resolução”.” (PELUSO, Cezar. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406 de 10.01.2002. Editora Manole, 2023.)
Recentemente, o afastamento da aplicação do fluxo de caixa descontado na apuração dos haveres devidos ao sócio dissidente foi reafirmado pelo STJ. Desta vez, no julgamento do Recurso Especial nº 1.904.252/RS, pela 4ª Turma. Em acórdão publicado em 1º de setembro de 2023, o STJ consolidou o entendimento de que, nos casos de dissolução parcial de sociedade em que o contrato social for omisso, o sócio dissidente não fará jus a lucros futuros.
A Ministra Maria Isabel Gallotti, foi ainda além, desautorizando o uso do simples balanço contábil em substituição ao fluxo de caixa descontado. Segundo a Relatora, a jurisprudência tem se inclinado para a necessidade de um balanço que represente, na medida do possível, o valor real dos ativos da sociedade, mas sem a previsão de lucros futuros. Para a Ministra, a base de cálculo dos haveres é o patrimônio da sociedade, de modo que os valores que ainda não o tenham integrado por ocasião da retirada do sócio dissidente não podem ser repartidos.
A partir das considerações acima, restou então decidido que, uma vez omisso o contrato social, valerá, para fins de avaliação da sociedade, a regra de que o sócio dissidente não pode, na dissolução parcial, receber valor diverso (nem maior, nem menor) do que receberia como partilha tendo como data-base patrimonial a própria partilha. Isso significa que os lucros futuros da sociedade não são considerados nesse cálculo.
Pode-se afirmar, diante do exposto, que o entendimento despontado em 2021, contrário inclusive à corrente jurisprudencial então dominante, ganhou coro, fortalecendo-se como referência para solução de controvérsias judiciais dessa natureza, que, vale dizer, não são poucas.
Para mais informações ou esclarecimentos de quaisquer dúvidas, a área societária e cível do BRZ Advogados está à disposição.