Uma das mais complexas, sensíveis e desafiadoras fases de uma operação de M&A é a definição do preço de aquisição da sociedade-alvo. Isso se dá em virtude da limitada disponibilidade de informações por parte do comprador sobre as particularidades e condições de desenvolvimento da atividade da empresa-alvo, bem como de possíveis divergências entre vendedor e comprador quanto ao valor justo da sociedade e sua performance futura.
A fim de endereçar essas incertezas, surgiram as cláusulas de earn-out, que postergam o ajuste do preço, sujeitando-o à ocorrência de eventos futuros e incertos, como o alcance de metas comerciais ou financeiras previamente definidas. Em outras palavras, a cláusula de earn-out é o pacto pelo qual o vendedor continua a receber parcelas adicionais do preço de venda (earn), mesmo após transferir a sua participação societária, ou controle societário, conforme o caso (out), desde que sejam satisfeitas determinadas condições previamente acordadas.
Assim, as funções da cláusula de earn-out incluem a redução da assimetria informacional nas operações de M&A, a alocação dos riscos entre as partes, e a minimização de conflitos na avaliação da empresa, ao postergar esse momento e fixar critérios objetivos e posteriormente verificáveis.
Dada a sensibilidade da cláusula, é essencial que os critérios de apuração do earn-out estejam definidos de forma clara, objetiva e exequível nos instrumentos contratuais que regulam a operação, de forma a mitigar potenciais litígios entre as partes.
Além disso, observando a vedação constante do artigo 129 do Código Civil, e com vistas à redução de disputas, deve-se prevenir situações em que a parte que exercer a administração da sociedade-alvo após o fechamento da operação e até a data da apuração do earn-out possa adotar condutas voltadas à manipulação do atingimento (ou não) das metas vinculadas ao earn-out.
De fato, o vendedor pode recear que o comprador, na gestão da sociedade, adote práticas que limitem artificialmente a performance da empresa, de modo a evitar o pagamento do earn-out. Por outro lado, o comprador teme que o vendedor, se mantido na administração, busque cumprir metas no curto prazo, mesmo à custa da sustentabilidade de longo prazo do negócio.
Nessa linha, é recomendável que o contrato estabeleça diretrizes detalhadas de governança e limites à atuação dos administradores durante o período de apuração do earn-out, seja o gestor indicado pelo vendedor ou pelo comprador. Tais diretrizes devem visar neutralidade e boa-fé na condução dos negócios.
Importa ressaltar que somente haverá responsabilização do administrador por tentativa de manipulação dos critérios do earn-out se comprovado o dolo, conforme a business judgment rule, que protege o gestor contra imputações de responsabilidade por decisões de negócios tomadas de forma informada e de boa-fé.
Recomenda-se, portanto, que sejam previstas diretrizes específicas de governança e gestão, como covenants financeiros (limites de endividamento, alavancagem, distribuição de lucros etc.); a composição da administração durante o período de apuração do earn-out, podendo ser mantida a atual, substituída, compartilhada (governança mista) ou profissionalizada com administradores independentes; e a vinculação do earn-out ao cumprimento de um plano de negócios mutuamente aprovado deve servir de referência clara e mensurável para avaliação futura.
Adicionalmente, é imprescindível prever um mecanismo de apuração objetivo e transparente, com possibilidade de verificação independente, inclusive por meio da contratação de auditoria externa e isenta, bem como procedimento formal de resolução de divergências, que pode incluir dispute boards, mediação ou arbitragem especializada.
À luz dos desafios expostos, conclui-se que as cláusulas de earn-out devem ser cuidadosamente estruturadas, evitando que se tornem fonte de litígio e instabilidade. A assessoria jurídica especializada é essencial para assegurar que tais cláusulas não introduzam incertezas adicionais à operação, especialmente quanto aos parâmetros de performance e aos limites da gestão durante o período de apuração.