O Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou recentemente o julgamento do RE nº 1.366.243 (Tema 1.234), sobre a questão controvertida da legitimidade passiva da União e a competência da Justiça Federal nas demandas que versem sobre fornecimento de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não incorporados no Sistema Único de Saúde (SUS). Quando o tema foi afetado, o Ministro Relator Gilmar Mendes suscitou a importância de se definir a quem cabe arcar com os custos de medicamento ou tratamento requeridos judicialmente, além da competência para o processamento e julgamento dessas demandas, o que se alinharia com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 da Agenda 2030 das Nações Unidas.
O julgamento homologou os acordos firmados nos autos e resultou na edição da Súmula Vinculante nº 60, partindo-se da conceituação de medicamento incorporado e não incorporado no SUS para definição das principais teses aprovadas nos acordos.
Os medicamentos incorporados foram divididos em duas subespécies: (i) disponibilizados: assim entendidos como previstos em protocolo ou listagem essencial ou complementar de medicamentos, inclusive medicamentos off label, desde que previstos em protocolo do Ministério da Saúde (após parecer favorável de incorporação da Conitec) ou componente básico da Rename; e (ii) em processo de disponibilização: compreendido como a situação do medicamento após a publicação da portaria de incorporação pelo Ministério da Saúde de que trata o art. 19-R da Lei 8.080/1990 e antes de sua disponibilização na rede pública.
A competência para julgar ações de medicamentos incorporados é da Justiça Federal e serão custeados integralmente pela União, cabendo, em caso de condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União via repasses Fundo a Fundo (Fundo Nacional de Saúde – FNS ao Fundo Estadual de Saúde – FES).
Por sua vez, os medicamentos não incorporados são aqueles que não constam na política pública do SUS, medicamentos previstos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para outras finalidades, medicamentos sem registro na ANVISA e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico. Nos casos de ações de fornecimento desses medicamentos é mantida a competência da Justiça Federal, as quais deverão necessariamente ser propostas em face da União.
No caso de medicamentos não incorporados mas que possuam registro na Anvisa, a competência para apreciação das demandas também será da Justiça Federal, quando o valor do tratamento anual específico do fármaco ou do princípio ativo, caso o Preço Máximo de Venda do Governo (PMVG) divulgado pela CMED for igual ou superior ao valor de 210 salários mínimos, na forma do art. 292 do CPC.
Se o medicamento não foi precificado pela CMED, o STF fixou tese indicando que, inexistindo resposta em tempo hábil, o magistrado poderá analisar a questão de acordo com o orçamento trazido pela parte autora, podendo solicitar auxílio à CMED, nos termos do art. 7º da Lei 10.742/2003.
Voltando à competência definida nos acordos, as ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, impondo, portanto, condenações aos Estados e Municípios, também deverão ser ressarcidas pela União via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS) no percentual de 65% dos desembolsos decorrentes de condenações em ações cujo valor da causa seja superior a sete e inferior a 210 salários-mínimos.
Ao tratar da análise judicial do ato administrativo que indeferiu o fornecimento de medicamento pelo SUS, o STF ressaltou que cabe ao Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, analisar obrigatoriamente o ato administrativo que originou a não incorporação pela CONITEC e da negativa de fornecimento na via administrativa.
O Supremo entendeu, ainda, que no exercício do controle de legalidade, o Judiciário deve apenas verificar se o ato administrativo específico referente ao caso concreto está conforme às balizas constitucionais, à legislação regente e às políticas públicas do SUS, restringindo a análise jurisdicional do ato administrativo ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, não sendo possível a incursão sobre o mérito administrativo, ressalvados os casos de ato administrativo discricionário.
Finalmente, os acordos preveem a criação da plataforma nacional debatida pela Subcomissão de Tecnologia da Informação, que reunirá todas as informações sobre demandas de medicamentos no âmbito de todos os entes federados, em governança colaborativa com o Poder Judiciário.
O efeito prático do julgamento do Tema 1.234 é a vinculação de todos os tribunais do país à tese julgada pelo Supremo que, no caso, consiste em homologação de três acordos interfederativos e tudo o que foi estipulado ao longo de seus debates.
Não obstante o efeito vinculante já conferido à repercussão geral, com a edição da Súmula Vinculante nº 60, os atos administrativos e decisões judiciais que contrariarem os acordos homologados pelo Tribunal podem ser impugnados por meio de Reclamação Constitucional direcionada diretamente ao STF, nos termos do art. 103-A, § 3º, da Constituição Federal, permitindo ao indivíduo que se sentir lesado uma resposta mais célere do Judiciário.