O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 124/2022, de iniciativa do Senador Rodrigo Pacheco, que dispõe sobre normas gerais de prevenção de litígio, consensualidade e processo administrativo em matéria tributária, introduz diversas alterações no Código Tributário Nacional (CTN).
As principais medidas sugeridas pelo PLP, no que tange, especificamente, às penalidades tributárias, são as seguintes:
i. Limitação da multa ao valor do tributo lançado, salvo casos de dolo, fraude ou simulação – quando o teto da penalidade será duplicado;
ii. Exoneração da multa de ofício nas hipóteses de lançamento para prevenir decadência de crédito tributário cuja exigibilidade estiver suspensa por depósito, medida liminar ou tutela antecipada; e
iii. Gradação das multas em virtude da verificação de circunstâncias atenuantes, como: a) cumprimento de obrigação acessória relacionada à conduta infringida; b) readequação às normas tributárias até a lavratura do Auto de Infração; c) não configuração de dolo, fraude ou simulação; d) não configuração de reincidência em relação ao mesmo tipo infracional; e) verificação de bons antecedentes fiscais; f) inexistência de prejuízo financeiro ao erário; e g) erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo quanto à matéria de fato.
A partir da premissa de que as multas por descumprimento de obrigações principais e acessórias devem observar o princípio da razoabilidade e guardar relação de proporcionalidade com a infração praticada pelo sujeito passivo, o PL sugere a redução de até 50% do valor da penalidade, de acordo com o preenchimento das circunstâncias atenuantes.
Subjacente ao PLP, está o contexto fático de que, há anos, os contribuintes vêm sofrendo com a aplicação de multas tributárias sem qualquer tipo de limitação, panorama este que apenas recentemente passou a ser corrigido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
As multas em matéria tributária, classificadas como moratória, isolada ou de ofício, podem ser conceituadas como sanções em virtude de violação de obrigação fiscal definida na legislação. Em regra, são aplicadas à toda ação ou omissão que, direta ou indiretamente, represente o descumprimento dos deveres jurídicos dispostos em leis fiscais (obrigação principal ou acessória).
Constituição Federal e a limitação para fixação das multas tributárias
O art. 146, III, da Constituição Federal (CF/1988), ao dispor sobre a necessidade de edição de lei complementar para o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, não indicou o limite a ser observado na fixação das multas tributárias. Nesse caso, é preciso utilizar as limitações constantes do próprio texto constitucional.
A primeira limitação é extraída do art. 1º da CF/1988, e consiste no princípio da proporcionalidade que, como desdobramento do Estado de Direito, traz a necessidade de observância da adequação, necessidade e razoabilidade na aplicação das multas tributárias.
Já no art. 150, inciso IV da Constituição, há o princípio da vedação ao confisco, que dispõe que a multa tributária não pode ter caráter confiscatório – o que ocorre, por exemplo, quando a multa é superior ao valor do próprio tributo devido.
Há, ainda, a cláusula geral de igualdade, que encontra previsão no art. 5º, caput da CF/1988, e seus desmembramentos, como, por exemplo, o princípio da individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI, alínea c, CF/1988) e a isonomia tributária (art. 150, inciso II, CF/1988), que também devem ser respeitados quando da fixação das multas.
Nesse contexto, é crucial trazer à tona o disposto no art. 142, do Código Tributário Nacional, corolário do mencionado princípio da individualização da pena:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.” – grifamos.
Com efeito, da leitura da parte final do caput do artigo 142 do CTN é fácil constatar que, ao se utilizar das expressões “sendo o caso” e “propor”, o legislador não tinha a intenção de que a toda autuação houvesse a aplicação de uma multa.
Infere-se, então, que é fácil constatar que a aplicação da multa é uma sugestão do legislador, que deverá ser verificada apenas em determinados casos, mas não em todos. Caso contrário, a determinação seria para “…identificar o sujeito passivo e aplicar a respectiva multa”, mas, não, “sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
Da forma como a redação referido artigo do Código Tributário está, o procedimento correto seria discutir, em cada hipótese, o cabimento, ou não, da aplicação de multa.
Fato é, de toda forma, que o Fisco, seja ele Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, edita leis que impõem a aplicação de penalidades fiscais que infringem os princípios constitucionais de limitações ao poder de tributar. Com isso, o STF passou a apreciar discussões que tratem da correta aplicação das multas tributárias.
Na ADI nº 1.075-MC/DF, discutiu-se, com base nos princípios constitucionais, a validade do art. 3º, caput e parágrafo único da Lei nº 8.846/1994 que instituiu multa fiscal de 300% (trezentos por cento) do valor do tributo. A multa foi afastada sob o fundamento de que o poder público não poderia agir imoderadamente.
Conclusão semelhante foi adotada no julgamento da ADI nº 551/RJ, em que se discutiu a validade do art. 57, §§ 2º e 3º do ADCT da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que previa a aplicação de multa equivalente a duas vezes o valor do tributo não recolhido ou sonegado. O STF, por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade da norma estadual, sob pena de ofensa aos princípios do não confisco e da proporcionalidade.
Naquela oportunidade, o Ministro Gilmar Mendes se manifestou da seguinte forma: “fica evidente quando se coloca que as multas, em consequência do não recolhimento dos impostos e taxas estaduais, não poderão ser inferiores a duas vezes o seu valor, chegando a uma notória desproporção. Portanto, penso que se pode invocar o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal e, obviamente, o princípio da proporcionalidade na acepção que este Tribunal tem lhe emprestado do devido processo legal ou sentido substancial ou substantivo”.
Além dos mencionados julgamentos, realizados em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a Corte Constitucional também apreciou a matéria em controle difuso de constitucionalidade, firmando teses em sede de Repercussão Geral.
Ao julgar o Tema nº 214 (RE nº 582.461/SP), o STF decidiu que a multa tributária de caráter moratório em patamar de 20% sobre o débito tributário atende ao princípio da razoabilidade e não viola a regra do não confisco. Na oportunidade, firmou-se a seguinte tese: “[…] III- Não é confiscatória a multa moratória no patamar de 20%.”
A Suprema Corte também apreciará, no RE nº 640.452/RO (Tema 487), cuja repercussão geral foi reconhecida, se, sob o prisma dos princípios da proporcionalidade e do não confisco, a aplicação de multa nos percentuais entre 40% e 50% sobre o valor da operação realizada pelo contribuinte, em razão do descumprimento de obrigação acessória, é válida.
O relator do processo, Ministro Roberto Barroso, propôs a fixação da seguinte tese: “A multa isolada, em razão do descumprimento de obrigação acessória, não pode ser superior a 20% (vinte por cento) do valor do tributo devido, quando há obrigação principal subjacente, sob pena de confisco.” O julgamento ainda não foi concluído.
No julgamento do RE nº 882.461/MG (Tema 816), o STF adotou uma escala de gravidade das multas, para estabelecer o limite de sua aplicação. É o que se verifica de trecho extraído do voto do Ministro Dias Toffoli: “as multas moratórias visam a combater comportamentos com menor grau de reprovabilidade do que aqueles censurados pelas multas não qualificadas; 2) essas, por seu turno, sancionam comportamentos com menor gravidade do que aqueles reprovados com as multas qualificadas. Nessa toada, por questão de razoabilidade, proporcionalidade e justiça, a priori, as multas qualificadas em razão de sonegação, fraude ou conluio podem ser superiores às multas de ofício não qualificadas; e essas, por seu turno, podem ser superiores às multas moratórias”.
Também aguarda julgamento o RE nº 1.335.293/SP (Tema 1.195), em que se discute a possibilidade de fixação de multa tributária punitiva em montante superior a 100% (cem por cento) do tributo devido, ainda que esta não seja qualificada.
Vê-se que, apesar de um histórico desfavorável, esforços têm sido adotados em torno do tema, seja no âmbito do próprio STF, seja no Congresso Nacional, para que as multas tributárias sejam aplicadas de acordo com as peculiaridades do caso concreto e de forma razoável, proporcional e adequada.
Por Mariana Fineberg, Carolina Rocha e Pedro Martins