A distribuição desproporcional de lucros é historicamente um mecanismo admitido no ordenamento jurídico brasileiro no âmbito das sociedades limitadas. De acordo com o artigo 1.007 do Código Civil, os lucros são, em regra, distribuídos de forma proporcional às quotas de cada sócio na sociedade, salvo se admitida de forma contrária no contrato social.
Esta exceção legal permite que os sócios, de comum acordo e com previsão contratual, estabeleçam critérios alternativos para a divisão dos lucros, desvinculados da proporção de suas participações societárias. Esta possibilidade é útil para acomodar situações em que a contribuição dos sócios ocorra de forma desigual para os resultados da sociedade, seja por meio de aportes de capital intelectual, técnico, ou de trabalho.
Por outro lado, a Lei das S.A. não admite a distribuição desproporcional de lucros, sempre com base na premissa de que o recebimento de dividendos é um direito fundamental do acionista, podendo o estatuto social estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios, desde que eles sejam equânimes.
No entanto, a Lei Complementar 182/2021 (Marco Legal das Startups) trouxe em seu art.16 alterações à Lei das S.A., que estabelece que uma vez sendo omisso o estatuto social, os acionistas podem deliberar livremente sobre a distribuição de dividendos.
Tal mudança tem sido amplamente interpretada como uma autorização para que as sociedades anônimas com faturamento até R$78.000.000,00 possam estabelecer a forma de distribuição de dividendos sem que haja a obrigação de proporcionalidade em relação às respectivas participações societárias.
Por outro lado, há quem sustente que esta não foi a intenção do legislador, que uma vez o dispositivo sendo lido em conjunto com o art.202 da Lei das S.A., a distribuição livre sobre dividendos seria na verdade relacionada à forma de distribuição dos dividendos mínimos obrigatórios, que poderá ser definida livremente quando houver omissão no estatuto sobre este ponto.
Passados pouco mais de três anos da promulgação do Marco Geral das Startups, ainda não há uma jurisprudência predominante acerca do tema, o que nos faz depreender que ainda existem dúvidas sobre a abrangência do parágrafo 4º do artigo 294 da Lei das S.A.
Em todo caso, na hipótese de distribuição desproporcional prevista acima, é essencial que exista a formalização societária, mediante a deliberação em ata e a previsão da possibilidade de distribuição desproporcional no estatuto social. Ademais, o
lucro a ser distribuído deverá estar lastreado em escrituração contábil regular, que comprove a sua existência e o seu efetivo pagamento.
Por fim, vale ressaltar que a liberdade contratual para definir a distribuição desproporcional encontra limites na boa-fé e nos princípios gerais do direito societário, como a proteção de minoritários e a vedação de abuso de poder. Dessa forma, eventuais distorções ou injustiças na repartição podem ser objeto de questionamento judicial.
O time BRZ está à disposição para eventuais dúvidas.