Em 28 de novembro, a ANVISA aprovou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 945/2024, que regulamenta a realização de ensaios clínicos e a Instrução Normativa (IN) nº 338/2024, que detalha os critérios para a adoção do procedimento otimizado de análise de ensaios clínicos por Reliance e por avaliação e risco e complexidade de petições.
As referidas normativas revogam expressamente a RDC nº 9/2015, que dispunha sobre a realização da ensaios clínicos no Brasil e a RDC nº 449/2020.
O foco central da atualização promovida pela ANVISA é a redução de entraves burocráticos, a implementação de práticas de submissão contínua e o alinhamento às diretrizes internacionais, visando adequar a regulamentação às Boas Práticas Clínicas ICH E6 (R2), definidas pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Medicamentos de Uso Humano (ICH) e à nova Lei Federal nº 14.874/2024, sancionada em 29 de maio,sobre pesquisas com seres humanos.
A nova resolução dispõe sobre as diretrizes e os procedimentos para a realização de ensaios clínicos no país, visando a posterior concessão de registro de medicamentos sintéticos e semissintéticos, fitoterápico específicos, dinamizados, gases medicinais, radiofármacos e biológicos, incluindo biossimilares. A normativa excluiu de seu escopo, os ensaios clínicos pós-comercialização (fase IV) e pesquisas clínicas sem intervenção, além dos estudos de Equivalência e biodisponibilidade relativa, pesquisa científica ou tecnológica e ensaio clínico com cosméticos, com dispositivos médicos, alimentos e com produtos de terapia avançada (PTA), que deverão seguir normas específicas.
Ainda, trouxe definições relevantes, tais como a classificação dos ensaios clínicos em três categorias de risco: leve, moderado e elevado. Também estabeleceu conceitos para ensaios clínicos e produtos sob investigação complexos, garantindo maior clareza técnica e alinhamento com padrões internacionais.
De acordo com o art. 8º da RDC nº 945/20024, a pesquisa com seres humanos deve ser submetida à análise ética prévia, a ser realizada pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs). Todavia, como a Instância Nacional de Ética em Pesquisa e os CEPs não estão vinculados à ANVISA, os protocolos de ensaios clínicos podem ser submetidos paralelamente à instância ética e regulatória, acelerando a tramitação e promovendo maior eficiência no processo de aprovação de estudos clínicos.
O texto da normativa manteve a figura do investigador-patrocinador, prevendo duas figuras: o primário (instituição) e o secundário (investigador-patrocinador); este último, instituído caso o patrocinador primário delegue a responsabilidades ao investigador. A norma também manteve a redação da RDC nº 9/2015 referente à doação de medicamentos para ensaios clínicos.
No caso de medicamentos registrados no Brasil, o doador assume o papel de patrocinador somente se houver um acordo de transferência ou propriedade dos dados obtidos na pesquisa. Já para medicamentos não registrados no país, o doador compartilha responsabilidades com o patrocinador, assegurando maior controle e supervisão dos ensaios clínicos realizados.
Quanto à submissão e aprovação do Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento (DDCM), este agora pode ser apresentado à Anvisa em qualquer estágio do desenvolvimento clínico do medicamento para uma ou mais fases do ensaio clínico, devendo ser submetido apenas nos casos em que o patrocinador pretenda realizar ensaios clínicos com o medicamento em território nacional.
A resolução detalha que a análise do DDCM somente ocorrerá após a protocolização de pelo menos um Dossiê Específico de Ensaio Clínico (DEEC), que deverá ser realizada em até 15 dias úteis a partir da data de emissão do expediente do DDCM. No entanto, conforme prevê o art. 27 da resolução, a qualquer momento o patrocinador, a Organização Representativa de Pesquisa Clínica (ORPC) ou patrocinador-investigador poderá vincular novos DEECs ao DDCM submetido.
Após o protocolo do DDCM e vinculação do DEEC, a ANVISA avaliará em até 90 dias úteis, a contar da data de emissão do expediente do DEEC e, caso não haja manifestação da Agência no prazo previsto, o DDCM e respectivo DEEC serão liberados por decurso de prazo, por meio de Resolução-RE publicada no Diário Oficial União (DOU), e o desenvolvimento clínico poderá ser iniciado após as aprovações éticas pertinentes.
Importação antecipada de medicamentos para ensaios clínicos: como funciona?
Entre as principais inovações, destacam-se a possibilidade de antecipar a importação de medicamentos em investigação enquanto o dossiê está em análise, o que reduz significativamente o intervalo entre a aprovação da pesquisa e o início dos estudos clínicos. A regulamentação do uso da submissão contínua permite que dados sejam apresentados em etapas, antecipando o processo de análise regulatória e oferecendo maior agilidade para estudos multicêntricos.
Nesse sentido, a RDC dispõe que a ANVISA emitirá o Documento de Importação (DI) em até 30 dias úteis da data de expediente da petição de DEEC para a importação dos produtos sob investigação necessários para a realização do desenvolvimento clínico antes do deferimento ou indeferimento das petições de DDCM e DEECs publicados no DOU.
Nesta hipótese, os produtos sob investigação deverão ser armazenados em área protegida, sob controle do patrocinador, e só poderão ser distribuídos para os locais onde serão utilizados após o deferimento das petições de DDCM e DEEC publicadas em DOU e no caso de indeferimento de DDCM e DEEC, o patrocinador deve apresentar documento informando a destinação ou destruição dos produtos sob investigação.
A nova RDC também especificou os requisitos de admissibilidade, a documentação necessária e os prazos para submissão de pesquisas clínicas, utilizando procedimentos otimizados baseados em análise por Reliance. Embora o procedimento otimizado não assegure prioridade automática, a norma permite à Anvisa criar filas específicas para alocação e análise.
Adicionalmente, foram incorporadas diretrizes importantes sobre monitoramento e notificação de segurança nos ensaios clínicos. O patrocinador será responsável por coletar, monitorar e avaliar todos os eventos adversos, incluindo os não graves, durante o desenvolvimento clínico. A RDC definiu os prazos e o formato para notificação das Suspected Unexpected Series Adverse Reaction (SUSARs) à ANVISA, reforçando o controle e a transparência nos informes de segurança.
As petições de DDCM e DEEC protocoladas antes da publicação da nova resolução e ainda pendentes de análise técnica serão avaliadas conforme as regras e requisitos vigentes à época de sua submissão. A RDC nº 945/2024, entrará em vigor 1º de janeiro de 2025.
IN nº 338/2024: procedimentos otimizados para análise por Reliance e avaliação de risco
Além da RDC nº 945/2024, a ANVISA publicou a Instrução Normativa (IN) nº 338/2024, que estabeleceu a lista de Autoridades Reguladoras Estrangeiras Equivalentes (AREE) e detalhou os critérios para a adoção do procedimento otimizado de análise por Reliance e por avaliação de risco e complexidade de petições de DDCM, DEEC, modificações substanciais ao produto sob investigação e emendas substanciais ao protocolo clínico.
A referida Instrução Normativa definiu que o procedimento otimizado de análise é aplicável às petições primárias de DDCM e DEEC e às petições secundárias de modificações substanciais ao produto sob investigação e emendas substanciais ao protocolo clínico, podendo ser aplicado com base em práticas de confiança regulatória (Reliance) e com base na avaliação de risco apoiada pela experiência de uso do Medicamento Experimental.
Nesse sentido, a aplicação do procedimento otimizado de análise com base em práticas de confiança regulatória (Reliance), as versões do Dossiê do Produto sob Investigação (DPI) ou Investigational Medicinal Product Dossier (IMPD), do protocolo clínico ou da emenda substancial ao protocolo clínico apresentadas à Anvisa devem ser as mesmas aprovadas por pelo menos uma das AREEs elencadas no art. 5º da Instrução Normativa.
A norma detalha a documentação exigida para petições com base na avaliação de risco, como brochuras do investigador e dossiês do produto sob investigação (DPI) e reforça que a decisão da Anvisa é independente das condições aprovadas pelas AREEs. O uso do procedimento otimizado de análise estabelecido não impede que a Anvisa proceda à reavaliação, a qualquer momento, dos peticionamentos pela via ordinária de análise. A IN nº 338/2024 entrará em vigor em 1º de janeiro de 2025.
Em síntese, a nova RDC harmonizou as práticas regulatórias nacionais com padrões internacionais, introduzindo definições mais precisas para categorias de risco, fases dos estudos e requisitos técnicos, além de regulamentar o uso da submissão contínua no âmbito da pesquisa clínica, o que garante maior celeridade e permitirá que a Anvisa inicie a avaliação dos pedidos com maior brevidade. O objetivo da atualização das normativas é o fortalecimento do ambiente regulatório, a promoção e atração de investimentos, além da proteção e o bem-estar dos participantes.
A equipe de especialistas do BRZ Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas.