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STJ e o prazo prescricional nas ações reparatórias por danos decorrentes da conduta de cartel

O tema prescrição, de modo geral, é extremamente controverso e tende a gerar discussões no âmbito das diversas áreas do direito. A grande questão que envolve o tema reside no marco inicial do prazo prescricional.

Quando falamos da análise da conduta de cartel no âmbito administrativo, o prazo considerado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), para a prescrição de sua pretensão punitiva, é aquele utilizado na esfera penal, qual seja, o de 12 (doze) anos. Isto porque, embora o artigo 46, da Lei 12.529/2011 (LDC[1]) determine que as ações punitivas, objetivando a apuração de infrações da ordem econômica, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ilícito ou, se permanente a conduta, da data em que cessar sua prática, o §4º do mesmo dispositivo esclarece que quando “o fato objeto da ação punitiva da administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal”, e o artigo 109, III, do Código Penal, determina que o prazo prescricional para a conduta de cartel, em abstrato, é de 12 (doze) anos.

Considerando que uma denúncia ou uma leniência ensejando o início das investigações, surgia após transcorrido grande parte desse prazo, além do tempo de tramitação dos inquéritos e processos administrativos, quando reconhecido o ilícito, então, restava a dúvida no judiciário quanto ao termo inicial do prazo prescricional da pretensão daqueles que sofreram danos em decorrência da conduta anticoncorrecial reconhecida pela Autoridade e que pretendem buscar ressarcimento.

Qual seria, então, a data correta do início do prazo prescricional nestes casos? A data do ilícito ou de quando cessou a conduta? Ou, ainda, a data do trânsito em julgado da decisão do CADE, que reconheceu a ocorrência, de fato, da conduta?  Teriam as ações tomadas pelo CADE efeitos no transcurso desse prazo, interrompendo ou suspendendo esse prazo prescicional?

A Lei 14.470/2022, então, trouxe respostas aos questionamentos, sanando essas dúvidas, já que incluiu na LDC o artigo 46-A e seus §§1º e 2º, que esclarecem que, quando a ação de indenização por perdas e danos tiver como origem o direito previsto no art. 47[2] desta Lei, não correrá a prescrição durante o curso do inquérito ou do processo administrativo no âmbito do CADE, prescrevendo em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados pela infração de cartel. Referido artigo estabelece, também, que a contagem deste prazo iniciará a partir da ciência inequívoca do ilícito, que ocorrerá por ocasião da publicação do julgamento final do processo administrativo pelo CADE.

Neste sentido, em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou sua jurisprudência, ao negar provimento ao Recurso Especial de uma companhia do mercado de gases que, em ação de reparação de danos decorrentes da sua conduta de cartel[3], defendia a aplicação do artigo 189 do Código Civil, para que o termo inicial da prescrição fosse a data de início do cartel, em 1995, e não a da decisão do CADE que reconheceu o ato ilícito, no ano de 2010. Em 2013, houve a propositura de ação cautelar para interrupção do prazo prescricional e, em 2016, foi ajuizada a ação indenizatória.

Para sanar a controvérsia, a Terceira Turma do STJ aplicou a chamada teoria do actio nata, em sua perspectiva subjetiva, que institui o conhecimento da lesão pelo titular do direito como pressuposto indispensável para o início do decurso do prazo de prescrição, sendo, desta maneira, a decisão do CADE[4] o marco que determina a ciência da violação do direito pelo seu titular.

Em seu voto, o Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, que foi Conselheiro do CADE, ressaltou os termos do artigo 46-A da LDC, assim como que antes das alterações trazidas pela Lei 14.470/2022, por serem as ações indenizatórias por dano concorrencial enquadradas como de responsabilidade extracontratual, o prazo prescricional era de 3 (três) anos, nos termos do artigo 206, §3º, V, do Código Civil. O Ministro aclarou, ainda, que, de acordo com artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, se o prazo de prescrição da lei antiga já tiver transcorrido antes da entrada em vigor da nova legislação, o novo prazo não poderá ser considerado. Do mesmo modo, e conforme o caso em julgamento, o prazo maior da nova lei não se aplica às ações propostas antes de sua vigência.

No entanto, tratando-se de ações follow-on[5] ajuizadas antes da vigência da nova lei, o ministro citou precedentes do STJ no sentido da aplicação pontual da chamada teoria da actio nata (REsp 1.622.450, entre outros). Segundo o Ministro, ainda que o ajuizamento da ação seja anterior à alteração legislativa que instituiu como marco inicial da contagem do prazo prescricional a decisão condenatória do CADE, a doutrina especializada e a jurisprudência dos tribunais já aplicavam esse entendimento para situações como a do caso em julgamento.

E concluiu: “Desse modo, considerando que a decisão do Cade é de 6/9/2010, que em 30/8/2013 a parte recorrida ajuizou ação cautelar interruptiva da prescrição e que a presente demanda foi proposta em 29/8/2016, não ocorre a prescrição da pretensão reparatória”.

A Lei 14.470/2022, e esse entendimento do STJ, não deixam mais dúvidas quanto à contagem do prazo para as ações reparatórias de dano concorrencial.

 

[1] Lei de Defesa da Concorrência.

[2] LDC, Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 , poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.

[3] Ações follow-on: aquelas propostas em consequência de decisão do CADE que reconhece a prática de ato ilícito, bem como aquelas ajuizadas após homologação de termo de compromisso de cessação (TCC) ou de acordo de leniência pelo conselho, resguardada eventual confidencialidade deferida.

  • 1º Os prejudicados terão direito a ressarcimento em dobro pelos prejuízos sofridos em razão de infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 desta Lei, sem prejuízo das sanções aplicadas nas esferas administrativa e penal.
  • 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo aos coautores de infração à ordem econômica que tenham celebrado acordo de leniência ou termo de compromisso de cessação de prática cujo cumprimento tenha sido declarado pelo Cade, os quais responderão somente pelos prejuízos causados aos prejudicados.
  • 3º Os signatários do acordo de leniência e do termo de compromisso de cessação de prática são responsáveis apenas pelo dano que causaram aos prejudicados, não incidindo sobre eles responsabilidade solidária pelos danos causados pelos demais autores da infração à ordem econômica.
  • 4º Não se presume o repasse de sobrepreço nos casos das infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 desta Lei, cabendo a prova ao réu que o alegar.

[4] Segundo Ministro Villas Bôas Cueva, o fato de a decisão administrativa ainda estar sendo discutida no Judiciário não a desconfigura como follow-on, tendo em vista que, com a decisão do CADE, houve a configuração da ciência inequívoca sobre a conduta ilícita. Fonte: vide nota de rodapé 1.

[5] O relator consignou, ainda, que nas ações denominadas stand alone (nas quais a alegada infração à ordem econômica não foi apreciada na via administrativa pelo CADE), o início da contagem do prazo prescricional não possui regulamentação específica em lei. Assim, diferentemente das ações follow-on, para estas ações, inexiste taxatividade na aferição do que seria conhecimento do direito violado, fazendo-se necessária essa delimitação casuisticamente, conforme precedente estabelecido no REsp 1.971.316