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Lei da Pesquisa com Seres Humanos é questionada no STF

A Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.875, visando suspender, em caráter liminar, e ver posteriormente declarada a inconstitucionalidade de diversos dispositivos da Lei nº 14.874/2024, que estabelece o marco legal da pesquisa clínica com seres humanos no Brasil.

Esta lei, sancionada com vetos presidenciais, foi saudada como marco importante para o setor de pesquisa e desenvolvimento. Em 17 de junho de 2025, o Congresso Nacional derrubou os vetos presidenciais (VET 13/2024), restaurando integralmente os dispositivos ao texto legal. A decisão legislativa foi interpretada como uma resposta às demandas do setor regulado, que alertava para os riscos de insegurança jurídica e desestímulo à realização de pesquisas no país, diante da indefinição quanto à duração da obrigação de fornecimento pós-estudo.

Na petição da ADI, a SBB sustenta, em síntese, os seguintes pontos:

  • Vício formal de iniciativa, argumentando que a lei, de origem parlamentar, criou a “instância nacional de ética em pesquisa” no Ministério da Saúde, competência que alega ser privativa do Presidente da República;
  • Retrocesso social e violação ao direito à saúde, pois os arts. 30 a 37 da lei restringiriam o acesso pós-estudo previsto pela Resolução CNS nº 466/2012.
  • Ônus financeiro ao SUS, que assumiria custos de tratamentos e indenizações sem previsão orçamentária, supostamente em desacordo com o art. 113 do ADCT.
  • Violação à autonomia e ao consentimento informado, já que o art. 18, §6º, permitiria a inclusão de participantes em pesquisas de emergência sem consentimento prévio.
  • Restrição da participação social nos processos éticos, alegando que a lei não assegura a efetiva e deliberativa participação da comunidade na governança da ética em pesquisa;
  • Limitações ao acesso pós-estudo que estariam em desconformidade com os Temas 6 e 1.234 do STF, potencialmente incentivando judicialização sem garantia de tutela adequada.

Digno de atenção, a Lei nº 14.874/2024 introduziu alteração relevante no regime de fornecimento pós-estudo. A Resolução CNS nº 466/2012 previa que o patrocinador deveria assegurar a todos os participantes, ao término do estudo clínico, acesso gratuito e por prazo indeterminado aos métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos eficazes identificados na pesquisa. Com a derrubada dos vetos presidenciais, a nova lei passou a estabelecer critérios objetivos e fixou prazo máximo de cinco anos para a continuidade do fornecimento.

Patrocinadores e entidades do setor argumentam que, uma vez incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS), o custeio deve ser assumido pelo poder público, especialmente em pesquisas de medicamentos para doenças raras. Nesse sentido, a Resolução CNS nº 563/2017 já previa, para doenças ultrarraras, fornecimento gratuito pelo patrocinador por até cinco anos a partir do registro sanitário, prazo compatível com a expectativa de disponibilidade comercial ou incorporação ao SUS.

O panorama internacional reforça a razoabilidade do modelo adotado. Nos Estados Unidos, o fornecimento pós-estudo é privado e limitado no tempo; na França, o Estado assume o fornecimento até decisão sobre registro ou incorporação, sendo que, em caso de não aprovação, a empresa mantém o fornecimento somente por mais um ano; na Argentina, a obrigação do patrocinador persiste até que o medicamento esteja comercialmente disponível, podendo solicitar extensão facultativa do programa de acesso expandido.

Nesse contexto, a legislação brasileira alinha-se às práticas globais, não configurando, por si só, retrocesso social. O prazo de cinco anos equilibra a necessidade clínica dos participantes com a sustentabilidade econômica da pesquisa, garantindo continuidade terapêutica até que o fármaco esteja disponível nos sistemas público ou privado.

Em 24 de setembro de 2025, o Relator determinou que, no prazo de 10 dias, fossem prestadas informações pelo Congresso Nacional, pela Presidência da República e pelas Faculdades de Medicina da USP, Unicamp e Unifesp. O processo permanece aguardando tais manifestações. Após o recebimento das informações, o Ministro abrirá vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República.

O time de Life Sciences e Saúde do BRZ Advogados acompanha atentamente os temas relacionados à pesquisa com Seres Humanos e permanece à disposição para prestar esclarecimentos.