A aplicação do art. 166 do CTN na restituição do ICMS-ST

Em breve, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento dos Recursos Especiais nos 2.034.975, 2.034.977 e 2.035.550, sob o rito dos Recursos Repetitivos (Tema 1.191), sedimentará o entendimento sobre a “necessidade de observância, ou não, do que dispõe o artigo 166 do CTN nas situações em que se pleiteia a restituição/compensação de valores pagos a maior a título de ICMS no regime de substituição tributária para frente quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida“.

Embora o STJ já tenha firme jurisprudência que afasta a observância do artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN) para fins de restituição do ICMS-ST, apenas após a apreciação do tema na sistemática dos recursos repetitivos é que a questão será uniformizada no âmbito dos Tribunais Estaduais.

A discussão relativa à base presumida do ICMS-ST, que se arrasta há mais de 40 anos no Judiciário, teve início em meados dos anos 80, quando da liberalização da economia e do fim do tabelamento dos preços. Embora o seu escopo tenha se modificado ao longo dos anos, fato é que o entrave jurídico se estende até os dias atuais.

Inicialmente, a discussão se limitava à constitucionalidade do próprio regime de substituição tributária. Mas a validação dessa sistemática, e da possibilidade de restituição caso o fato gerador presumido não se realizasse, foi confirmada a partir da edição da Emenda Constitucional nº 3/1993, que inseriu o parágrafo 7º no artigo 150 da Constituição Federal (CF/1988).

Posteriormente, passou-se a discutir sobre a base de cálculo presumida: se teria presunção relativa ou absoluta. No 1997, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.851/AL, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, ao enfrentar a cláusula segunda do Convênio ICMS nº 13/97, vedou a possibilidade de restituição na hipótese em que a base de cálculo da operação fosse inferior à presumida.

No entendimento do Ministro, o fato gerador presumido do ICMS se revestiria de caráter definitivo, haja vista que a base de cálculo teria sido definida em lei, à luz de expressa autorização constitucional, não comportando, portanto, direito à restituição:

 

O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de substituição tributária, de outra parte, conquanto presumidos, não se revestem de caráter de provisoriedade, sendo de ser considerados definitivos, salvo se, eventualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim, não há falar em tributo pago a maior, ou a menor, em face do preço pago pelo consumidor final do produto ou do serviço, para fim de compensação ou ressarcimento, quer de parte do Fisco, quer de parte do contribuinte substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta nenhum interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade – grifamos.

 

Mas, em 2016, a Corte Suprema alterou esse entendimento, e, no julgamento do RE nº 593.849/MG (Tema 201 da Repercussão Geral), de relatoria do Ministro Edson Facchin, validou a restituição pleiteada pelo contribuinte. Naquela oportunidade, foi fixada a seguinte tese: “É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.

A partir de então, os Estados passaram a editar normas internas restringindo a restituição do ICMS-ST pago a maior, condicionando-a à regra prevista no artigo 166 do CTN, segundo a qual “a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.”

Ou seja, admitida a restituição do ICMS-ST quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida, passou-se a questionar a necessidade de observância, ou não, do disposto no artigo 166 do CTN.

A regra prevista no artigo 166 do CTN tem por objetivo evitar a restituição ao contribuinte que apenas efetuou o recolhimento do tributo, mas não arcou com o seu ônus financeiro, por tê-lo transferido a terceiro.

Essa disposição legal, contudo, não é aplicável em duas hipóteses, por clara impossibilidade lógica:

 

I. quando da ausência da realização do fato gerador; e

II. quando da venda de mercadoria por preço inferior àquele estimado pelo contribuinte substituto na operação antecedente (da base de cálculo presumida).

 

Especificamente sobre esta última hipótese, se o direito ao ressarcimento do ICMS-ST surge em razão de a base de cálculo presumida ter sido superior à base de cálculo efetiva, parece-nos coerente inferir que o encargo financeiro decorrente da diferença a ser restituída foi assumido integralmente pelo contribuinte substituído, mas não foi transferido ao consumidor final.

Veja-se, por exemplo: se o contribuinte substituto estima a base de cálculo relativa à operação subsequente em R$ 100,00 (cem reais), o ICMS-ST será por ele recolhido antecipadamente no valor de R$ 18,00 (dezoito reais), considerando a alíquota de 18%; esse valor de R$ 18,00 (dezoito reais) é repassado do contribuinte substituto ao contribuinte substituído.

Quando o contribuinte substituído pratica a sua operação, adotando como preço de venda da mercadoria o valor de R$ 80,00 (oitenta reais), de modo que o ICMS efetivamente devido seria de R$ 14,40 (quatorze reais e quarenta centavos) – e não de R$ 18,00 (dezoito reais), pago antecipadamente pelo contribuinte substituto – juridicamente, pois, o contribuinte substituído repassaria, no máximo, R$ 14,40 (quatorze reais e quarenta centavos), mas, jamais, a diferença relativa ao pagamento a maior feito de forma antecipada.

Há, enfim, verdadeira impossibilidade lógica de se repassar o ICMS sobre o valor da diferença entre a base de cálculo presumida e o valor da mercadoria vendida (R$ 20,00), uma vez que o valor pago pelo consumidor final foi inferior àquele adotado como base de cálculo do imposto, não havendo como se cogitar de repasse do ônus financeiro.

No mais, especificamente para a hipótese, a restituição está amparada pelo artigo 150, parágrafo 7º, da CF/1988, e pelo artigo 10 da Lei Complementar nº 87/96, que disciplinam um regime especial de restituição e, pois, afastam a aplicação do artigo 166 do CTN.

Por fim, é relevante que este tema seja julgado o quanto antes, para que os contribuintes possam usufruir da restituição desses valores antes da aprovação da Reforma Tributária, que, no formato atual, traz a previsão de compensação do ICMS-ST apenas mediante a homologação dos Estados e em 240 (duzentos e quarenta) parcelas mensais.

Por Carolina Rocha e Mariana Fineberg

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