Cláusula de Sandbagging em contratos de M&A

Em operações de fusões e aquisições (M&A), as negociações sempre são extensas e buscam gerar definições para cada detalhe da operação, e assim sendo, cada detalhe e disposição acordados possui uma importância significativa.

Os contratos que regem essas negociações têm por hábito serem minuciosos, sempre com a finalidade de englobar cláusulas que visem proteger os interesses de ambas as partes envolvidas na operação. Uma das cláusulas que entendemos ser obrigatória neste tipo de operação é a cláusula de Declarações e Garantias de cada parte, sobre a qual trataremos abaixo e, em decorrência da existência das declarações e garantias, tem sido cada vez mais adotado um formato de cláusula que denominamos como cláusulas de “sandbagging”.

O termo é utilizado em contratos de M&A e também originou-se no direito norte americano, para permitir a hipótese em que o comprador fica ciente, seja por meio de seu conhecimento prévio ou por meio da conclusão da due diligence, que uma declaração prestada pelo vendedor é falsa ou inexata, mas, ainda assim o comprador prossegue com a assinatura dos documentos e conclui o fechamento da operação, buscando posteriormente indenização pelo vendedor em razão de tal falsidade ou inexatidão na declaração prestada.

As cláusulas de sandbagging tratam da situação em que uma parte (que pode ser tanto o comprador quanto o vendedor) possui conhecimento de uma violação, omissão, inexatidão ou inveracidade em uma declaração e/ou garantia prevista no contrato, mas não divulga esse conhecimento antes do fechamento da operação, ou seja, é uma cláusula diretamente relacionada a essa possibilidade (ou impedimento) de requerer indenização por uma declaração ou garantia falsa ou inexata, podendo ser adotadas de duas formas: (i) cláusulas pro-sandbagging (cláusula permissiva); e (ii) cláusulas anti-sandbagging (cláusula proibitiva).

As clausulas pro-sandbagging admitem que, ainda que o comprador tenha conhecimento de qualquer desconformidade nas declarações e garantias prestadas pelo vendedor antes do fechamento da operação, por qualquer meio, o vendedor permanece sendo responsável por tal desconformidade, devendo indenizar o comprador. Um modelo deste tipo de cláusula abrange o seguinte texto:

“Os direitos do Comprador para indenização ou qualquer outro remédio nos termos do presente Contrato não serão impactados ou limitados por qualquer conhecimento que o Comprador tenha adquirido ou possa ter adquirido, seja antes ou depois da Data de Fechamento, nem por qualquer investigação ou diligência realizada pelo Comprador. O Vendedor reconhece que, independentemente de qualquer investigação feita (ou não feita) por parte ou em nome do Comprador, e independentemente dos resultados de qualquer investigação, o Comprador realizou esta transação com base expressamente nas declarações e garantias do Vendedor feitas neste Contrato.”

Por outro lado, as cláusulas anti-sandbagging estabelecem que, caso o comprador tenha conhecimento de alguma desconformidade na cláusula de declarações e garantias antes do fechamento da operação, o vendedor deixa de ser responsável por tal desconformidade, de modo que o comprador não poderá ser indenizado por esta violação, o que é mais comum de se identificar em operações de compra e venda, conforme exemplo de cláusula a seguir:

“O Comprador reconhece ter tido a oportunidade de realizar a devida diligência e investigação em relação à Companhia, e em nenhum caso o Vendedor terá qualquer responsabilidade com o Comprador com respeito a violação de alguma declaração ou garantia sob este Contrato na medida em que o Comprador sabia dessa violação na Data de Fechamento.”2

Os países que adotam o sistema jurídico de civil law, como é o caso do Brasil, costumam apresentar mais resistência à adoção de cláusulas de sandbagging do que os países que adotam o sistema de common law. Isso acontece devido à maior ênfase dada ao princípio da boa-fé objetiva no sistema de civil law.

No entanto, considerando o princípio da autonomia de vontade das partes, conforme previsto no artigo 421 do Código Civil, existe um argumento de que seria possível incluir uma cláusula pro-sandbagging ou anti-sandbagging em contratos de M&A celebrados no Brasil.

A legislação civil, que rege tais contratos, permite que as partes estipulem as disposições que irão reger a relação contratual, prevalecendo o princípio da intervenção mínima nas relações contratuais privadas

Por outro lado, existe um argumento relacionado à eficácia de tais cláusulas à luz do princípio da boa-fé objetiva, que, conforme o disposto no artigo 422 do Código Civil, é um princípio fundamental do direito civil e determina que as partes devem agir com honestidade, ética e transparência em suas relações contratuais.

Assim, em disputas ligadas a contratos de M&A envolvendo cláusulas de sandbagging, seria viável argumentar que a aplicação dessas cláusulas seja restrita quando existir conhecimento prévio ou suspeita das questões levantadas após o fechamento da operação. Nessas circunstâncias, o julgador pode optar por aplicar o princípio da boa-fé objetiva com a finalidade de limitar a obrigação de indenizar.

Essa abordagem, baseada na boa-fé objetiva, busca equilibrar os interesses das partes envolvidas, promovendo a confiança e a lealdade na execução dos contratos de M&A. Ao mesmo tempo, incentiva a transparência e a troca honesta de informações entre comprador e vendedor, alinhando-se com os princípios fundamentais do direito civil brasileiro.

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