Aquisições diretas de medicamentos para tratamento de doenças raras à luz da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos

Um importante problema de saúde pública, no Brasil e no mundo, diz respeito às chamadas doenças raras, de baixa prevalência na população, que, conforme atualmente definido no art. 3º da Portaria n° 199/2014 do Ministério da Saúde, são aquelas que afetam até 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos.

A definição epidemiológica varia entre diferentes países, mas a maioria dessas doenças é de origem genética, frequentemente incapacitante, podendo comprometer a expectativa de vida e prejudicar habilidades físicas e mentais da pessoa. Também são denominadas doenças órfãs, pelo pouco que se conhece sobre suas causas e terapias.

Após ampla discussão em que participaram agentes do governo, pesquisadores, médicos e associações de pacientes, foi promulgada em 2014 a referida Portaria n° 199, a qual instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no SUS (Sistema Único de Saúde), buscando conferir uma atenção mais digna, humana e inclusiva para essas pessoas.

Entretanto, mesmo que se reconheçam avanços nos últimos anos, o cumprimento dos princípios constitucionais que informam o SUS – notadamente universalidade, equidade e integralidade1 – ainda é um desafio para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras.

À escassez de evidências científicas consideradas adequadas, soma-se o alto custo dos tratamentos das doenças raras, tornando mais dificultosa a incorporação destas terapias pelo SUS e, em diversos casos, transferindo ao Poder Judiciário a decisão sobre o acesso aos medicamentos.

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), em seu art. 75, inc. IV, m, estabeleceu hipótese adicional de dispensa de licitação nos casos de aquisição de medicamentos destinados exclusivamente ao tratamento de doenças raras, assim definidas pelo Ministério da Saúde.

Apesar do valor da norma e do inegável bem jurídico tutelado, a disposição legal já desperta controvérsia. É que, na realidade da Indústria Farmacêutica, em geral o que se tem observado é a inviabilidade de competição para o fornecimento de medicamentos destinados ao tratamento de doenças raras, pela existência de fabricante único e/ou de distribuidor exclusivo – o que já justificava a aquisição na via direta (i.e., sem licitação), mas por inexigibilidade de licitação.

Como os agentes públicos costumavam fundamentar essas aquisições diretas ora na inviabilidade de competição (inexigibilidade), ora na situação de urgência preconizada pelo inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 (dispensa), a crítica é de que a nova regra parece ter sido desenhada para tentar conferir legitimidade à praxe administrativa e afastar questionamentos seja quanto a vícios de planejamento e urgências fabricadas, seja quanto à efetiva inviabilidade de competição.

A propósito, Marçal Justen Filho destaca a necessidade de aplicação cautelosa da nova permissão legal, que, como as demais hipóteses de dispensa previstas na legislação, deve assegurar a observância da isonomia, da eficiência e da economicidade.

A nosso ver, não se pode olvidar o caráter inovador da Lei nº 14.133/2021 também neste aspecto particular, especificando uma nova hipótese de contratação direta para aquisições de medicamentos destinados ao tratamento de doenças raras. Em sendo inviável a competição entre fornecedores, por uma razão fática ou jurídica – por haver fabricante único ou distribuidor exclusivo, por exemplo – estará configurada situação de inexigibilidade de licitação. Caso contrário, a contratação ainda poderá ser realizada diretamente, mas por dispensa de licitação. Em todo caso, deverá seguir o devido processo administrativo e com as cautelas exigidas pela lei.

Por Bernardo Pedrete.

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